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Mar sem poesia, as aventuras e histórias de uma ex-pescadora
ALTO-MAR - Hoje, a protetora de animais tem suas experiências registradas no livro, lançado no fim do ano passado; ela já pensa em uma segunda obra
De tempos em tempos, surgem safras de artistas, de escritores, de empreendedores. No caso de Alcione Catarina Bacheschi, de 62 anos, uma profissão que até então era vista como um “trabalho para homens”, a de pescador. A missão era dupla: não se intimidar com o rótulo e superar cada obstáculo enfrentado em alto-mar. A determinação em vencer a transformou em uma das mais experientes no ramo da pesca, chegando a faturar mais de R$ 15 mil por semana. Hoje, a ex-pescadora tem suas memórias registradas no livro ‘Mar sem Poesia’, lançado no fim do ano passado.
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Um caderno e uma caneta foram seus principais confidentes entre quatro paredes, ou melhor, madeiras. Passara mais tempo em água do que em terra e, em seus poucos momentos de descanso, relatou em papéis em branco as aventuras e os perrengues vivenciados em alto-mar. “Como eu não tinha ninguém para conversar, esta era uma forma de contar o que estava sentindo, como era a minha vida, minhas angústias. Por muitas vezes gritei em silêncio”.
A pescaria sempre esteve presente em sua vida. Era uma forma de diversão, de lazer. Pescava por esporte com a família, mas não imaginava que mais tarde se tornaria sua principal fonte de renda. Na infância, Itanhaém era destino certo desde os 7 anos. Mais tarde, por ser hipertensa e por causa dos problemas acarretados no pulmão, decidiu trocar a poluição de uma cidade de São Paulo pela qualidade de vida de um município litorâneo. “Sou formada em Tecnologia da Construção Civil, pela FATEC, e em Matemática, pela Unimes. Mudei minha vida por uma saudável”.
“Sempre gostei de pescar, porém nunca pensei que isso seria o sustento da minha família. Quando me separei, precisava trabalhar com alguma coisa, então pensei: vou comprar um barco. Em 2000, ele deu pane no motor e naufragou na Boca da Barra. Ele afundou e eu afundei com ele, só que em dívidas. Graciosa – nome do barco – era de pesca esportiva. Não consegui recuperá-lo”, conta. Ela diz que a alternativa era buscar um segundo barco, em Itajaí, Santa Catarina, que também naufragou no mesmo local do anterior, mas teve um desfecho melhor. “Consegui recuperá-lo. No começo achei que poderia controlar a tripulação à distância, mas percebi que não era possível. Eu estava sendo furtada. Daí não teve jeito, fui trabalhar em alto-mar”.
HISTÓRIAS DE PESCADOR? – Não, histórias de Alcione. Foram 15 anos em mar aberto, com vivências em tempestades, naufrágios e até mesmo com um pinguim. As aventuras são suficientes para a produção de um segundo livro. As lembranças vêm a todo instante: “Uma colega pediu que eu a ensinasse a pescar. Ficaríamos no máximo umas ‘três 24 horas’, é assim que os pescadores contam o tempo. No primeiro dia, ela ficou enjoada e não conseguia sair da cama. O tempo virou na madrugada, sinais de uma tempestade. Estourou o cano do motor e o barco começou a balançar. Ela ficou apavorada, gritava e chorava. Passou muito mal”.
Outra situação da qual ela se orgulha: “Era muito difícil ver uma mulher no mar e todas as vezes que eu saía para pescar, formava uma turma que me aplaudia. Outra vez, encontramos um pinguim em alto-mar. Ele ficou com a gente no barco quase um mês. A água salgada era usada para limpar os pratos, as necessidades fisiológicas em um balde”.
Se por um lado o trabalho era difícil, por outro o resultado era compensador. “Cheguei a faturar R$ 15 mil a cada quatro dias. Eu saia para o mar e chegava a pescar de duas a três toneladas de peixe e camarão”. Ela explica que no início os tripulantes a estranhavam. “Eu sou mulher e isso muda tudo. Depois, eles foram percebendo que o meu trabalho era sério”.
A experiência em alto-mar se transformou em amor pela natureza, pelos animais. Foram quase 15 anos de pescaria. As atividades desaceleraram em 2014, quando ela descobriu um sarcoma, um tipo de câncer na cabeça, mas isso não a impediu de continuar os trabalhos. “Eu tinha muitas dores de cabeça. Quando descobri, operei, mas dei continuidade à minha vida. Possivelmente nasci com a lesão e ela foi aumentando”.
Longe das embarcações, Alcione continuou em contato com a natureza, só que em terra. Tornou-se protetora de animais. “Depois de um tempo comecei a trabalhar na ONG Vivamar e mais tarde no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)”.
Palavras-chave: empreendimento, mulher, ong, pesca
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