A Capitania de Conceição de Itanhaém
Em vista da pendência com o Conde de Monsanto, a Condessa de Vimieiros transferiu a sede de sua Capitania para a vila de Conceição de Itanhaém, que se tornava assim o centro de grande região, abrangendo seu domínio, Ubatuba, Angra dos Reis, Cabo Frio, Parati, Iguape, Cananéia, Sorocaba, Mogi das Cruzes, Guaratinguetá, Taubaté, São José dos Campos, Paranaguá.
A Capitania de Itanhaém foi fruto de acirrada pendência entre os herdeiros de Martim Afonso de Souza e seu irmão Pêro Lopes de Souza, sendo criada em 6 de fevereiro de 1624.
Foi a Condessa de Vimieiros, Dona Mariana de Souza Guerra, casada com D. Francisco de Faro, o Conde de Vimieiros, repelida da sua Vila Capital de São Vicente, bem como de Santos, São Paulo e de Mogi das Cruzes – eram estas as Vilas que estavam eretas neste tempo em Serra acima. Vendo-se assim, a Condessa de Vimieiros, fez então, Cabeça de Capitania, a sua antiga Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, e, para governarem esta nova Capitania de Itanhaém. O primeiro Governador e Ouvidor da Capitania de Itanhaém em nome da Condessa de Vimieiros, o Capitão João Moura Fogaça, o qual governou com ampla jurisdição até a Cidade de Cabo Frio, desde o ano de 1624 até o de 1645, em nome da referida Condessa. Serviu de Matriz a ermida no alto do Itaguaçu até 1639, momento em que se deu início à edificação da nova Matriz, também de barro, dedicada então a Sant’Ana. Foi a nova Matriz, porém, edificada abaixo do outeiro em terreno onde se estendera o povoado (indicação de que o período de insegurança da conquista propriamente dita, sucedera o de assentamento da povoação já assegurado um domínio mais pleno da região).
Informações contidas nos livros de Benedito Calixto nos dão conta da existência da Igreja de Santa Luzia, num caminho que passava em frente à Casa de Câmara e Cadeia, o que deixou o segundo prédio em total desalinho com os outros do Centro Histórico. Não se sabe exatamente quando se deu início à construção da nova Matriz podendo, porém corresponder ao período em que Itanhaém tornou-se cabeça de Capitania (1642 a 1679). O que é certo é que a Igreja estava efetivamente em obras no segundo decênio do século XVIII, momento em que recebe da Fazenda Real, por três anos, “cem mil réis cada ano, para a obra da capela-mor da Igreja da Vila de Conceição”. As igrejas matrizes mereciam por parte do rei de Portugal, como chefe da Igreja Católica no Império Luso, atenção especial, cabendo-lhe assistir o povo nas suas edificações.
Com a instalação da Capitania de Itanhaém, a vila progrediu muito com a descoberta de ouro, mas logo caindo em declínio devido às lutas dos herdeiros de Martim Afonso de Souza, o Conde Monsanto e a Condessa de Vimieiros, netos do fundador e primeiro donatário da Capitania de São Vicente (subdividida em Capitania de São Vicente) compreendendo as vilas de Santo Amaro, Piratininga, Santos e São Vicente, mais a região que se estendia pelo interior do hoje Estado de São Paulo, ficando para a Condessa, a Capitania de Itanhaém, que compreendia a região litorânea de Cabo Frio até a ilha de Santo Amaro (Guarujá), e as vilas de Itanhaém, o já abandonado Colégio São João Batista, estendendo-se pela região de Iguape, Cananéia, indo até Paranaguá. Outro motivo do declínio das Capitanias foi à descoberta de ouro nas terras das Gerais, as Vilas Paulistas, principalmente as mais modestas, sofreram o êxodo de grande parte de seus habitantes e Itanhaém não foi à exceção.
Durante o período em que a Vila de Itanhaém gozou das prerrogativas de Cabeça de Capitania dos herdeiros de Martim Afonso de Souza, foram estabelecidas na seção meridional, as vilas de Sorocaba, Iguape, Cananéia e a de Paranaguá, embora estivesse uma parte do território desta última povoação fora da dita jurisdição. Itanhaém teve predicamento e jurisdição sobre toda uma vasta região, desde Cabo Frio, ao Norte, até Paranaguá, ao Sul, bem como, sobre as vilas de São José dos Campos, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá e as povoações criadas nas lavras de Minas Gerais, e gozou desta prerrogativa durante cento e cinqüenta anos.
Conta à história que no ano de 1647 a imagem do Senhor Bom Jesus foi embarcada em um Bergamin português com destino ao Brasil. A viagem transcorreu sem maiores problemas até aproximar-se de Pernambuco, onde foi abordada por piratas maus. Com receio de que os piratas profanassem a imagem, o comandante colocou-a num caixote, juntou algumas botijas de azeite e lançou ao mar. Assim a caixa foi levada pela correnteza marítima, em direção ao sul da costa brasileira.
No mesmo ano, na Praia do Una, dois índios enviados à Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, a pedido de Francisco de Mesquita, morador da Praia da Juréia, avistaram a caixa no mar e a resgataram. Perceberam então que se tratava de uma imagem, um caixote e algumas botijas de azeite. Acreditando que havia alguma relação entre os objetos resolveram trazê-los a margem. Para prosseguir viagem, colocaram-na de pé na areia ao lado das botijas e do caixote.
Na volta, ao se aproximarem da imagem, perceberam que ela se encontrava com o semblante voltado para o poente ao contrário de como a haviam deixado, virada para o nascente. Surpresos, os índios apressaram-se em retornar ao seu local de moradia para contar aos outros índios o que acontecera.
No dia seguinte, Jorge Serrano, líder da comunidade, tomou o caminho da Praia do Una acompanhado de sua esposa Anna de Góes, de seu filho Jorge e de sua cunhada Cecília. Quando chegaram diante da imagem puseram-se de joelhos e rezaram, rendendo graças. Decidiram então, levá-la para a Vila de Iguape, atravessando o Maciço da Juréia, com a imagem sendo carregada em uma rede de pesca.
Um grupo de pessoas da comunidade que soube do achado da imagem aproximou-se de Jorge Serrano com a intenção de levá-la para a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, por esta ser a sede da Capitania. Ao tentarem virar o cortejo para aquela Vila, a imagem surpreendentemente adquiriu um peso descomunal e, o contrário aconteceu quando voltaram em direção à Vila de Iguape. Perceberam então que a imagem já tinha seu destino traçado. Na medida em que se aproximavam da Vila, maior era o número de cristãos que se unia à procissão.
Após dias de caminhada, encontraram um lugar de beleza única onde pararam para banhar a imagem sobre as pedras de um riacho, retirando o salitre e preparando-a para sua chegada na Matriz de Nossa Senhora das Neves. Esse riacho ficou conhecido, daí por diante, como Fonte do Senhor e dizem que a pedra sobre a qual a imagem foi banhada cresce continuamente.
No dia 2 de Novembro de 1647, terminada a lavagem, a imagem finalmente chegou à Vila e foi colocada no altar da Matriz de Nossa Senhora das Neves.
Em 2 de janeiro de 1654, a Irmandade Nossa Senhora da Conceição fez um contrato, cedendo a Igreja e Convento Nossa Senhora da Conceição aos frades franciscanos do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, para que estes se instalassem no alto do morro de Itaguaçu, e junto à igreja construíssem o seu convento, sob condição de se um dia esses religiosos abandonassem o mesmo, tudo reverteria de novo em favor da Irmandade e do povo.
O rei D. João IV, da Dinastia de Bragança, determinou que Nossa Senhora da Conceição fosse a padroeira de Portugal em 1646. Gozando do favor real, o culto à Conceição espalhou-se pelo Império português e em todo o Brasil. Padroeira da primeira ermida de Itanhaém, a imagem da Virgem da Conceição é um exemplar expressivo da arte imaginária do século XVI.
De 1635 até 1763 a extração do ouro atingiu muitas arrobas nas minas de Ribeira de Paranaguá. Nessa época próspera, com o ouro extraído da Capitania dos Condes de Vimieiros, foi confeccionada a coroa que cingiu a imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Capitania. A 20 de outubro de 1700 a Vila de Nossa Senhora da Conceição é elevada a Município. Em 1711, D. João V, para pôr termo ao litígio e intrigadas demandas entre os herdeiros de Martim Afonso de Souza e os de Pêro Lopes, reuniu então, as terras e Capitanias em litígio aos domínios da Coroa.
A expansão geográfica do Brasil no século XVII e a primeira metade do século XVIII, foi ocasionada pela descoberta do ouro e diamantes; o crescimento da população; o aumento do número de vilas e cidades e os problemas daí decorrentes obrigaram ao desmembramento do Bispado do Rio de Janeiro, fato ocorrido em 1745. Foram então criados os bispados de São Paulo e Mariana e as prelazias de Goiás e Cuiabá, no reinado de D. João V, o qual tinha como Ministro, o santista Alexandre de Gusmão. O território da Diocese paulista abrangia, além do atual Estado de São Paulo, parte de Minas Gerais e os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em 1752 é construída a rampa ou ladeira que dá acesso ao Convento, subindo o monte a partir da praça. O antigo acesso fazia-se por uma escadaria lateral, bastante íngreme e estreita, com 83 degraus distribuídos em patamares. Este parece ter-se conservado por algum tempo, pois quando o Convento decide construir casas para alojar seus escravos em 1783, as faz no terreno situado entre a antiga e a nova ladeira. Os restos da antiga escadaria ainda foram utilizados por um bom tempo, pois os restos que persistiram cobertos de mato pouco distantes da bica em que fica ao lado da bitola da Estrada de Ferro atestaram a penitência que muitos romeiros faziam subindo de joelhos.
Em 1761 é inaugurada a Igreja Matriz de Sant’ana, construção iniciada em 1639, em substituição à Igreja de Santa Luzia, localizada a apenas uma quadra da praia, destruída provavelmente por algumas das condições do solo arenoso ou ataque vindo do mar. Dentre as imagens, ainda hoje a Virgem de Anchieta, exemplar de rara beleza e valor histórico e artístico do barroco paulista. Durante essa época, declinam sobremaneira as atividades econômicas da região, com a descoberta do ouro na região das Gerais, afetando a todas as vilas do Litoral Sul Paulista profunda decadência, o abandono e a falta de recursos constituíram fatores constantes de ameaça ao seu patrimônio público. A Matriz de Itanhaém, junto com a igreja e o Convento Franciscano, não escapam a essa situação geral. Os “camaristas” de Itanhaém reclamam do esquecimento de que é vítima a cidade e, vez ou outra, obtém pequenos auxílios que permite realizar consertos mais urgentes na igreja, como ocorreu nos anos 70 do século passado. Esta situação não se modifica até os primeiros decênios do século XX.
A Matriz de Itanhaém, no terceiro quartel do século XVIII, pouco antes e durante o governo de Morgado de Mateus, passou por profundas reformas. A obra, apesar do auxílio metropolitano, é, todavia, realizada com esforço e as possibilidades limitadas da população que, segundo um documento da época, “a puseram nos termos que a possibilidade braçal podia chegar”. Não se concluíra ainda a obra, e se encontrava ameaçada de ruir, visto que “todo madeiramento da capela-mor e o da Torre está podre devido ao passar dos tempos por não estar coberto e falta dinheiro para pagar pedreiros, e desta sorte, as paredes padecem ruínas não obstante serem de pedra e cal (1769)”. Apesar das dificuldades enfrentadas, tudo indica que se conseguiu concluir a obra pretendida, obtendo então a igreja a configuração que até hoje possui. Indicações visíveis em suas paredes laterais e outras verificadas na obra encetada pelo órgão de preservação como permite-nos supor, nesta época, que a Matriz sofreu alteamento em todo o corpo do edifício, inclusive do frontão da fachada, mantendo este, porém, a configuração anterior. Antes de finalizar o século XVIII, todavia a igreja ainda está em obras, necessitando novamente do concurso do povo, o qual é, em 1799, pelo reverendo pároco, dividido em “esquadras para consertar a igreja”.
Em 1819, por Carta Patente de 13 de maio, a Vila de Itanhaém, foi instituída em baronia a favor de Manoel de Andrade Souto Maior, mais tarde, no Primeiro Império, condecorado com o título de Marques de Souto Maior.