Flora
Há 350 milhões de anos, as primeiras grandes florestas começaram a dar o ar de sua graça, mostrando os primitivos parentes dos pinheiros e de vários tipos de samambaias assemelhadas a árvores. Ainda não existiam as plantas com flores e frutos, como as que vivem hoje nas florestas tropicais de todo o mundo. Elas só entraram na história do planeta no início do período Cretáceo, há mais de 100 milhões de anos. As primeiras representantes dessas florestas lembrariam as árvores da família das cascas-de-anta, das pindaíbas e araticuns, das virolas e das preciosas canelas, todas em abundância na Mata Atlântica.
Essas novidades aconteciam num planeta diferente: a América do Sul e a África, unidas num só e gigantesco continente – o Gondwana – começavam a se separar, abrindo espaço para nosso vizinho Oceano Atlântico. Foi grande a perturbação para acomodar tanta água no meio de tanta terra dividida. E entre vulcões, enxurradas de lava e potentíssimos terremotos, empinaram-se sobre a crosta do globo a Cordilheira dos Andes e inúmeras cadeias de montanhas.
As notícias do aparecimento das serras do Mar e da Mantiqueira, localizadas próximas ao Litoral Sudeste brasileiro, estão associadas à agitação que tomou conta do planeta. As duas serras (formadas por rochas muito antigas que sustentam o continente sul- americano), eram entretanto muito mais altas e empertigadas e só em milhões de anos, à custa de muita erosão, suavizaram seus contornos. Enquanto o planeta se equilibrava em tanta desordem, evoluíam com vigor nunca visto as grandes linhagens de plantas que originaram a Mata Atlântica.
É dessa época também a notícia de que insetos, aves e mamíferos reproduziam-se e transformavam-se de maneira fantástica. Não foi à-toa que flora e fauna das florestas tropicais tivessem combinado a rica e complexa cumplicidade que hoje ostentam. Nos últimos milhares de anos as coisas foram se acomodando: não mudou muito o desenho da Serra do Mar nem tampouco as feições das espécies de plantas e animais. Mas o planeta agitava-se com o clima que variava entre os períodos glaciais e interglaciais.
Em tempos mais frios, as águas congelavam nos pólos, baixava o nível dos oceanos e chovia pouco. Quando esquentava, o mar abria espaço e as chuvas eram mais abundantes. E assim, por causa desses maus gênios do clima, as florestas tropicais (que vivem de calor e umidade), foram por muito tempo encubadas entre contrito recolhimento e deslumbrada exuberância. Durante as glaciações, a Serra do Mar foi o verdadeiro “anjo da guarda”da Mata Atlântica. Quando barrava no peito a umidade exalada do oceano, nas épocas de clima mais seco, suas escarpas refugiavam a floresta dependente de água, salvando da extinção em massa milhares de espécies.
Nos tempos do descobrimento, a exuberante floresta cobria o Litoral Sudeste do Brasil, esparramando-se para interior sobre planaltos e mares de morros, delimitando, imponente, os domínios da Mata Atlântica. Senhora de terras do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, numa extensão superior a três mil quilômetros, enraizada em variados tipos de solo e compartilhando todas as sutilezas de clima, vestia-se à moda de cada ocasião, como dama ciosa de seus encantos. Aqui, de florestas mais úmidas e densas; ali, de adornos mais secos e espalhados.
Também cuidava da aparência, conforme exigissem seus ambientes. Ao se aproximar das praias continha-se, cerimoniosa, diante da singela faixa de vegetação das dunas. Quando voltava os deltas dos grandes rios, assentava misteriosa máscara de extensos manguezais.
Debruçada sobre a varanda de costões rochosos do litoral norte de São Paulo, de tão próxima do mar, chega ainda hoje a permitir seguidos beijos das águas salgadas, em dias de forte ressaca. A mata cresce, insinuante, pouco densa e com rara beleza, nas restingas dos planos litorâneos acolchoados das areias que o mar depositou nos últimos milhares de anos. Juntam-se aí as copas das árvores, num fino, delicado e extenso chapéu por onde a luz do sol se filtra para revelar as delicadas graças das bromélias, orquídeas e filodendros, que enfeitam o solo e os troncos das árvores.
Envolvida em névoas úmidas, propõe o desafio da Serra do Mar: muralha a ser escalada, entre a praia e as nuvens, para que revele, além de mil metros de altitude, encantos e exuberantes florestas do planeta. Nesse caminho o ar é denso de umidade, mas o clima é agradável, embora o chão revele-se cada vez mais raso. A floresta depende das grandes árvores com as quais se protegia no sopé da serra para desfilar em vegetação cada vez mais baixa.
Em alguns pontos, de solo pedregoso, deixa antever manchas de campo rupestre, onde as árvores faltam por completo. Nas cristas da serra, desnudas arvoretas tortuosas, uma floresta de altitude carregada de barbas – de – velho que respiram a permanente umidade das neblinas. Depois, entre os terrenos menos acidentados e as amplitudes do interior, a mata úmida que na Serra do Mar respira com as chuvas do ano inteiro; aqui, se previne, nos meses de inverno, para enfrentar secas e geadas. Transforma-se: abre o coração nos ipês e paineiras que se protegem do frio e da sede deixando cair suas folhas.
Desafiada, deita nos solos mais férteis sementes de gigantes como jequitibás e figueiras. Na região da Mata Atlântica, em chão pobre, estendem-se tapetes de gramíneas – os campos limpos – e surgem fisionomias de cerrados com árvores e arbustos retorcidos trajados de cascas e folhas grossas, amarrados em extensos caules subterrâneos.
Aos que não desdenham as últimas delícias, a Mata Atlântica expõe a reserva dos seus suspiros nas montanhas do interior de São Paulo e do Sul de Minas, na alma das araucárias, postadas imponentes, nos altos da Mantiqueira. Por delegação histórica, esses suspiros dominam a paisagem. Sem agasalhos, as araucárias acolhem em verde os invernos rigorosos e distribuem pinhões para a ceia das gralhas e dezenas de animais, velhos cúmplices da permanência da floresta.