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Publicado em: 13/06/2017 - Última modificação: 16/11/2020 - 13:49
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Produtora rural se reinventa para exibir receitas e descobrir o universo das letras

AGRICULTURA - No livro de receitas, os alimentos cultivados por produtores de Itanhaém são estrelas do prato como doce de chuchu, suco de mandioca, vinagrete de palmito pupunha



Ana Lúcia dos Santos Silva aprendeu a ler aos 27 anos. Agricultora sonha em concluir o curso de pedagogia

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O significado das palavras tem um gosto especial para Ana Lúcia dos Santos Silva, de 38 anos: a independência. Hoje, a junção de uma vogal a uma consoante faz todo o sentido na vida da produtora rural de Itanhaém. Há quase cinco anos, tornou-se uma das peças-chave para a elaboração do livro ‘Feiras Gourmet’, com receitas a partir de alimentos cultivados no campo. “Tive de voltar a estudar para escrever o que cozinhava. Um impulso que me faltava para mudar a minha história e a dos meus filhos. As palavras têm poder”.

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O convite surgiu com a proposta de incentivar agricultores a colocar no papel o que têm apresentado na mesa de jantar. Os alimentos cultivados ganham protagonismo, e receitas personalizadas são estrelas do prato como doce de chuchu, suco de mandioca, vinagrete de palmito pupunha, gratinado de inhame, brigadeiro de banana. No caso de Ana, um pontapé para outras atividades, como retomar os estudos. “Estou cursando pedagogia e o céu é o limite para o meu conhecimento”, alegra-se. Mas quem pensa que o sorriso sempre esteve aí, engana-se. “Superei muitos obstáculos. Tive câncer no útero e não desisti. Só aprendi a ler aos 27 anos, pois antes as palavras não tinham sentido no papel”.

Tudo começou quando ela se mudou de Alagoas para Itanhaém, aos 15 anos, grávida do segundo filho. Aqui, Ana conheceu os benefícios da agricultura. Aprendeu a dar valor à terra e descobriu as benfeitorias da produção orgânica. “O trabalho com o solo me deixou mais consciente sobre a importância da alimentação saudável”.

Não demorou para a sua família participar de um projeto desenvolvido na Cidade, pelas Secretarias Municipais de Desenvolvimento Econômico e de Educação, Cultura e Esportes e o Governo Federal, a Feira da Agricultura Familiar. Eles também passaram a encaminhar produtos ao Banco de Alimentos para os Programas de Doação Simultânea e Alimentação Escolar (PAA/PNAE). “Antes vendíamos aqui mesmo no sítio e conseguíamos uma renda no valor de um salário mínimo, no máximo. Hoje, com essas parcerias, tenho uma renda mensal entre R$ 3 mil e R$ 4 mil”.

As raízes no campo fizeram com que o filho mais velho deixasse o curso de direito para virar agricultor. Teve a opção de escolher, ao contrário de Ana, no passado. Para ela, estudar era um sonho distante. Quando criança, aos 7 anos, chegou a frequentar uma escola em Alagoas na época em que morava com a tia, por duas vezes para ser exato. Não teve o direito de optar. Trocou os livros por vassouras, os lápis pela responsabilidade de um adulto.

“Tive que cuidar da casa e dos meus sobrinhos. Quando recebi a primeira carta do meu pai, pedi para outra pessoa ler. Fazer compras era um sufoco porque eu não tinha noção do valor de uma nota. Minha maior vergonha foi quando o meu filho de apenas 8 anos pediu para eu acompanhá-lo nos afazeres escolares”.

Ela não hesitou e foi procurar a Secretaria Municipal de Educação para compreender as letras e números. Hoje, no Município, as aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) são promovidas tanto nas escolas municipais quanto nas estaduais. E para Ana, seria inviável, já que sua residência estava localizada na área rural de Itanhaém. O ponto de ônibus mais próximo tem quase 12 km, equivalente a 2h27 a pé. O único transporte a passar por sua casa era o escolar para buscar o filho.

“Fui até a secretaria para tentar uma oportunidade. Naquela época, comecei a frequentar a Escola Municipal Maria das Graças Alves Santos, no Jardim Magalhães, na mesma sala do meu filho”. Ela estudou com o Weslei, o filho mais velho, da 1ª série do Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio. “Quando eu ia para a escola, as crianças da minha sala achavam que eu era professora por ser a única estudante adulta. Se eu fechar os olhos, ainda consigo me lembrar da voz da professora contando histórias”, conta sorridente. “Sabe o que é mais interessante? É que hoje estou fazendo estágio na mesma escola na qual aprendi a ler. A agricultura mudou a minha vida e a da minha família”.