As Capitânias Hereditárias
As Capitanias Hereditárias não constituíam uma experiência nova. Haviam sido usadas como sistema de colonização nas Ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé. As Capitanias compreendiam no Brasil, grandes áreas traçadas paralelamente, limitadas ao oeste pela linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas e a leste pela costa do Oceano Atlântico. A Coroa transferia ao Donatário das Capitanias, geralmente pertencente à nobreza, muitos de seus direitos reais a troco de alguns tributos. As relações entre Donatário e Coroa eram estipuladas em contrato denominado foral.
O Donatário podia: Escravizar índios e vendê-los sem tributo algum; exercer jurisdição cível e criminal em suas terras, podendo condenar à morte escravos e homens livres, apenas os nobres escapavam à sua alçada; fundar vilas e nomear ouvidores e tabeliães; conceder sesmarias, lotes destinados à agricultura; receber a dízima (10%) do quinto (20%) pago à Coroa pelas pedras e metais preciosos; tributar a navegação nos rios; cobrar tributos de todas as salinas, moendas d’água e quaisquer outros engenhos existentes na Capitania. Por direito lhes pertenciam, não sendo lícito a ninguém construí-los sem sua licença.
A Capitania era hereditária, inalienável e indivisível. Os donatários não eram proprietários de suas Capitanias. Através de cartas de doação e dos forais, não recebiam a propriedade da terra e sim grandes poderes políticos, judiciários e administrativos, e vantagens econômicas. O sistema geral das Capitanias foi desenvolvido quando D. João III criou 14 Capitanias para 12 donatários. A desproporção explica-se pelo fato de Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pêro Lopes de Sousa haverem recebido cinco lotes que perfaziam 180 léguas da costa.
Martim Afonso de Sousa e seu comandante de esquadra Pedro Martins Namorado, estabeleceram os fundamentos da povoação de Itanhaém entre os rios Itanhaém e Peruíbe, cujas terras eram exploradas por Pêro Corrêa, um bárbaro e sagaz português traficante de escravos através do Porto das Naus, hoje bairro do Japuí (São Vicente-SP), o que lhe valeu o alcunha de traficante do Japuí, até o local hoje conhecido como Aldeia Velha ou Aldeia de São João Batista. Esta aldeia e Capela não foi, como se suporia, uma Capela sem importância como tantas outras de existência efêmera que primeiros cristãos no Brasil fundaram pelo sertão e litoral. Era uma igreja de boas proporções, onde os padres doutrinavam os gentios. O Colégio São João Batista foi erguido em um pequeno outeiro, a um quilometro da praia, com paredes e pedra e cal, formando a Igreja e Colégio dos padres. Até o século XIX notava-se vestígios da ladeira em degraus que ia ter no atro da igreja; a porta de entrada e fachada do edifício voltados para o nascente e dominando a praia; o púlpito, a pia batismal de pedra em um postigo encravada na parede; o lugar de dois altares colaterais e a abertura do arco-cruzeiro que dava acesso à capela-mor. Daí se divida em forma de “T”, com amplas galerias, onde eram a sacristia e colégio.
Adentrando a Baía de São Vicente, a esquadra de Martim Afonso fundeou o Porto das Naus no dia 22 de janeiro de 1532. Após a ocupação das terras houve a natural exploração da região, tendo expedição marítima costeado o litoral rumo ao sul das terras, aportando em Itanhaém no dia 8 de dezembro de 1532 e no ano seguinte nova expedição, desta vez por terras, comandada por Pedro Namorado e posse em nome de Martim Afonso de Sousa, bem como instalação de artilharia para defesa contra ataques de piratas, que, conforme informa Benedito Calixto em sua “Planta Topográfica da Villa de Itanhaém em 1614” havia materiais e equipamentos de artilharia para a defesa da Vila de Conceição de Itanhaém no morro do Sapucaitava, onde localiza vários pontos interessantes como o Porto dos Jesuítas, que servia de entrada para a escadaria do Convento, partindo do leito do rio Itanhaém. Logo após a fundação de São Vicente, Martim Afonso de Sousa, em 1532 costeou com sua frota o Litoral Sul, fazendo o reconhecimento do rio Itanhaém e em seguida do Mar Pequeno, atingindo a região de Cananéia. Consta que a população aqui encontrada, os itanhaéns, preferia para sua moradia a localidade denominada mais tarde de Aldeia do Abarebebê, onde a caça era mais abundante e não havia o problema de travessia de rio caudaloso. Voltavam à região da hoje Itanhaém apenas eventualmente, quando escasseava a caça e então recorriam aos moluscos retirados dos costões de pedras.
O rio Itanhaém, possuía na ocasião barra franca que permitia a entrada de embarcações de médio e médio/grande calado. O rio passava ao lado do morro de Itaguaçu, onde se localizou a primeira ermida de barro, o que deu origem à escadaria que se acessava a orada. Após a instalação de um pequeno núcleo local, sob invocação da Virgem da Conceição, nova expedição foi formada e, por terra, percorreu a Praia de Peruíbe, que os índios denominavam “Praia de Tapirema” (região ou país do Tapir), até as encostas da Cordilheira dos Itatins, ocasião em que tiveram dificuldades com os índios bravios que habitam a região, denominados Carijós, que muito se assemelhavam aos Guaranis. Os problemas ali encontrados obrigaram a expedição a um retorno de alguns quilômetros, tendo seus componentes acampado sobre um pequeno morro junto à praia.
De acordo com estudos do Padre Serafim Leite S.J., no século XVI não existiu nenhuma residência fixa dos jesuítas em Itanhaém ou Peruíbe. Os franciscanos já haviam voltado à Europa. Até a sua expulsão no século XVIII, os jesuítas se ocuparam dos trabalhos de catequização dos indígenas. Colégio de São João Batista fora construído, mas não utilizado em sua totalidade, servindo como Capela e local de “pouso” de viajantes. A data exata da existência deste monumento é incerta e, devido ao início da construção do Colégio Piratininga (São Paulo), caiu em abandono e todo o seu acervo posteriormente transferido para as igrejas da Vila (Itanhaém).
Em 30 de junho de 1535 é criada a Paróquia de São Vicente, sendo a primeira da Capitania e tendo como pároco o Padre Gonçalo Monteiro, vindo com esquadra de Martim Afonso de Sousa em 1532. O início das feitorias agrícolas em Conceição de Itanhaém deu-se com João Castelhano Rodrigues e Cristóvan Gonçalves, no ano de 1549, às margens do rio Itanhaém, ao pé da ermida de barro no alto do morro de Itaguaçu.
A Capitania de São Vicente ficou muito tempo sob jurisdição canônica do Bispado de São Sebastião do Rio de Janeiro, criado em 1676. D. José de Barros Alarcão é considerado o primeiro bispo do Rio de Janeiro (1681). Nesse ano, a Capitania passou a chamar-se São Paulo, por ter se transferido a sede da Capital do litoral para o Planalto. A criação da Diocese de São Salvador, sufragânea de Lisboa, completava a estrutura administrativa do Governo Geral, instituído para corrigir os defeitos do sistema das Capitanias Hereditárias. É claro que antes da criação do bispado de São Salvador já havia atividades eclesiásticas no Brasil. Na própria armada do Descobrimento, havia frades e, como é sabido, foi um franciscano quem rezou as duas primeiras missas no Brasil. Também a expedição de Martim Afonso de Sousa que chegou a esta região em 1532, trouxe dois franciscanos. Há ainda um documento de D. João III, em 1534, que informa sobre um vigário e quatro capelães que iam para Pernambuco, configurando-se o provimento dos primeiros clérigos nomeados para o Brasil. Em 12 de junho de 1514, quando o Brasil era um interminável litoral com florestas próximas das praias, freqüentadas por caravelas e naus, carregadas de pau-brasil, o país passou à jurisdição da Diocese do Funchal, sediada na Ilha da Madeira, criada por Leão X. Assim se conservou durante 38 anos, quando foi estabelecido o primeiro Bispado brasileiro, pelo Papa Júlio III, sendo D. Pêro Fernandes Sardinha, o primeiro Bispo do Brasil, em 25 de fevereiro de 1551.
Quando Martim Afonso de Sousa partiu para Portugal, deixou à frente de sua Capitania o padre Gonçalo Monteiro, Pêro Gois e Rui Pinto. A Capitania vicentina divergiu desde os seus primórdios das demais do Brasil, pelo fato de dirigir os seus filhos para o interior da colônia, ao invés de medrar na orla costeira dependente do oceano, onde era possível receber socorro e escoar produção.
Foram tempos difíceis os primeiros anos da Capitania. Espanhóis vindos do sul e estabelecendo-se em Iguape, invadiram e saquearam São Vicente. Ao mesmo tempo os tupinambás não davam trégua aos colonos. Em 1545 morre Rui Pinto. Neste ano, o destino de São Vicente estava nas mãos de Brás Cubas, protegido de Martim Afonso. Durante sua administração, Brás Cubas guerreou contra os tamoios e fundou a vila de Santos, possuindo melhor porto que São Vicente, e em breve suplantou a antiga vila fundada por Martim Afonso. Martim Afonso não mais regressou ao Brasil. Nas mãos hábeis e diligentes de Brás Cubas sua capitania prosperou. Dezesseis anos após sua fundação já contava com seis engenhos e mais de seiscentos colonos.
Machado de Oliveira, em seu Livro “Quadro Histórico da Província de São Paulo”, na parte que se refere a etnografia indígena, afirma: “Dos Tupis supõem-se provinda além de outros desconhecidos, a dos Itanhaens, e mais outra que deu pessoal para se formar a aldeia de São João Batista, posta no Litoral a pouca distância da Aldeia de Itanhaém, sendo ambas de origem comum e exclusivamente etiófagas”. A Aldeia de São João Batista que se refere o historiador, achava-se situada no fim da praia, duas léguas ao sul e devia ser nos tempos primitivos um pequeno aldeamento, porque, o núcleo principal da Aldeia de Conceição, onde se deu o princípio à povoação, que mais tarde, em 1561, obtendo o foro de Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém.
Os padres jesuítas, que tinham vindo para ajudar na criação de vilas, procuravam apaziguar os ânimos entre os índios. Conseguiram salvar da escravidão muitos daqueles que eram amigos dos portugueses, agrupando-os em aldeamentos, nos quais eram mantidos sob controle e educados segundo valores europeus. Mas os rebeldes podiam ser capturados, mediante o que os portugueses consideravam como guerra justa. Os missionários da Companhia de Jesus, até sua expulsão, no Século XVIII, foram os que mais se ocuparam da catequese dos silvícolas. Logo que aqui chegaram os Jesuítas em 1549, foram ali residir entre os indígenas e colonos, antes de fundarem o Colégio em Piratininga e, deram imediatamente começo às obras da Igreja e estabelecimento do Colégio; deve-se ao Padre Leonardo Nunes, o Abarebebê (Padre que voa), a construção da Igreja e do Colégio na Aldeia de São João Batista. A Irmandade Nossa Senhora da Conceição, vinda com os colonizadores para o Brasil, é a responsável pela construção da primeira ermida de barro no Convento.
Em 1553 naufraga na costa do mar itanhaense o alemão Hans Staden. O Brasil, todos sabem, foi colonizado pelos portugueses. Mas coube a ele, curiosamente, editar o primeiro livro sobre a grande possessão lusitana na América. Há mais de 440 anos era publicado em Hesse, na Alemanha, “Viagem ao Brasil”, um relato das aventuras mirabolantes de Hans Staden, que saiu de casa muito jovem para conhecer o Novo Mundo e enfrentou a morte diversas vezes. No Litoral Norte do Estado de São Paulo, ele por pouco não foi devorado pelos índios, que durante nove meses o engordaram para um banquete que teria como prato principal “aventureiro alemão à brasileira”.
A convivência forçada com os índios ocorreu na segunda passagem de Staden pelo Brasil. Ele saiu do porto de Cádiz, como marinheiro, para conhecer o Rio da Prata, na Argentina. O navio naufragou durante uma tempestade na costa itanhaense e Staden conseguiu se salvar nadando até chegar a Itanhaém, onde foi bem recebido pelo pequeno núcleo de portugueses que já se formavam.
Os portugueses tinham como aliados os índios tupiniquins, que viviam entre Itanhaém e São Vicente. Seu grande temor eram os tupinambás, amigos dos franceses, que viviam mais ao Norte. Para se defender dos tupinambás, que não lhes davam tréguas, os lusitanos resolveram construir um forte no canal de Bertioga, que separa a ilha de Santo Amaro, o Guarujá, do continente. Concluíram a obra, mas esta ficou desativada por algum tempo, pois não havia artilheiro disponível. Quando descobriu-se que Staden era artilheiro, os portugueses imediatamente o contrataram por quatro meses, enquanto não chegava de Portugal o oficial solicitado para a função.
Mais preocupado em se aventurar pela selva do que zelar pela segurança dos portugueses, Staden saiu um dia à caça de jacus e foi atacado por um bando de tupinambás. Foi despido, amarrado e espancado antes de ser colocado em uma canoa rumo a Ubatuba. Quando chegou à taba dos índios, segundo sua própria narração, as mulheres já lambiam os beiços de gula. O objetivo era amarrá-lo a um poste, esmigalhar sua cabeça com um tacape e devorá-lo. Mas o alemão tinha sorte de sobra e acabou se livrando da morte.
Enquanto Staden aguardava a execução e era insultado pelas mulheres, os dois índios que primeiro o haviam agarrado na selva – e que portanto eram considerados seus donos – decidiram libertá-lo. Os irmãos Alkkindar-mirim e Nhaepepo-açu resolveram dá-lo de presente ao tio Ipiru-açu, que um ano antes os havia presenteado com um escravo. Caberia ao tio executar Staden.
O alemão foi levado para fora e esperava a chegada de Ipiru-açu com seu iverapema, tacape especial para sacrifícios. Seu novo dono, impressionado com o cabelo cor de fogo do escravo, resolveu deixar o massacre para mais tarde, quando o alemão estivesse mais gordo. Staden, que era “hóspede” do chefe “Cunhambebe, inimigo mortal dos tupiniquins e dos “peros”(portugueses), foi submetido a um processo de engorda, sendo alimentado como um rei. Para salvar sua pele, Staden começou a dizer que era francês para o chefe tupinambá. Presenciou várias cenas de canibalismo, inclusive de Cunhanbebe, que devorou a perna assada de um inimigo.
Pouco tempo depois, um outro navio francês, o Vataville, aportou naquelas praias e os tupinambás foram convidados a ir a bordo, levando Staden. Dez marinheiros se passaram por irmãos do aventureiro, entregaram bugigangas aos índios e levaram o alemão. Ele estava a salvo, mas não livre de outras aventuras. O Vataville aportou em Iteron e, na saída, viu um barco português que rumava para São Vicente e resolveu atacá-lo. Após atirar bolas de fogo, mandou Staden junto com os marinheiros para conversar com os portugueses. Mas o pequeno navio luso reagiu e Staden, assim como os outros saiu ferido. Por causa desse encontro, o Vataville levou mais de cinco meses para chegar à Normandia. De lá, o aventureiro regressou para sua pátria e resolveu contar sua saga em livro. Na verdade, o livro não foi escrito por Staden, mais dado a participar das aventuras do que a registrá-las. Ele ditou suas memórias a um médico da cidade de Marpurgo, um tal de doutor Zychmann. Antes dessa obra, os relatos sobre o Brasil eram escassos. Só existiam algumas poucas cartas relatando a vida na colônia portuguesa, entre elas o célebre texto de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel I, comunicando-lhe a descoberta da terra.
Em 1554 chega a São Vicente os jesuítas Manoel de Nóbrega e José de Anchieta, acompanhados do irmão Diogo Jacome.
A família de José de Anchieta era de guerreiros aguerridos. José, por tradição, era destinado a ser soldado. Mas seu pai, vendo o menino acanhado e versejando poesias em latim já aos nove anos de idade, reconheceu que ele não manifestava a mínima aptidão para a carreira militar. Decidiu matriculá-lo no Colégio das Artes da Companhia de Jesus em Portugal. A disciplina e a noção do dever dos jesuítas – Inácio de Loyola, o fundador da Companhia, era, ele sim, um militar – deveria bastar à formação do garoto. Seria a culminação de um percurso religioso que começou aos 14 anos, quando foi para o colégio em Coimbra. Tinha tanta facilidade em compor versos em latim quanto problemas por sua fraca saúde, que necessitava sempre de cuidados. Alguns biógrafos dizem que sofria de dores na coluna vertebral, já andava arqueado. Outros garantem que uma escada da biblioteca do colégio caiu-lhe nas costas e, com o correr dos anos, as conseqüências do acidente o deixaram quase corcunda. Foi para aliviar tantos padecimentos que seus superiores conjeturaram sob a viabilidade de mandá-lo para um clima ameno – o das Índias brasílicas, como era conhecido o Brasil. Manoel da Nóbrega era vice-provincial da Capitania de São Vicente, sabendo da sua competência em ler e escrever, e os jesuítas necessitavam urgentemente de tradutores e intérpretes para falar o tupi, língua dos índios do litoral brasileiro. Mais dois meses de viagem o aguardavam para chegar da Bahia ao planalto paulista. Um percurso que, mais do que a travessia do Atlântico em um galeão, fundou uma nova etapa na vida de José: a da aventura.
Violentas tempestades sacudiram sua embarcação na altura de Abrolhos e o barco, com a s velas rotas e os mastros partidos, encalhou perto do litoral do Espírito Santo. A nau que o acompanhava perdeu-se nas vagas e foi com seus destroços que a tripulação pôde consertar os estragos e retomar a viagem. Mas, antes que isso ocorresse, o pânico tomou conta dos passageiros – na praia, poderiam estar esperando os índios tamoios, conhecidos antropófagos. Destemido, Anchieta desceu à terra junto com os marinheiros, à procura de mantimentos. Foi seu primeiro contato com os índios. Não se sabe muito bem o que aconteceu, já que os biógrafos não entram em detalhes, mas é certo que ninguém no barco foi molestado.
Sua visão das terras de São Vicente e Piratininga, foi relatada em carta aos seus superiores. Dizia ele das onças: “Essas (malhadas ou pintadas) encontram-se em qualquer parte (…) São boas para comer, o que fizemos algumas vezes”. Dos jacarés: “Também há lagartos nos rios, que se chamam jacarés, de extraordinário tamanho de modo a poder engolir um homem” . Ou sobre as jararacas: “São muito comuns nos campos, bosques e até nas próprias casas, nas quais as encontramos tantas vezes” . José fala ainda dos mosquitos que “sugando o sangue, dão terríveis ferroadas”, das poderosas tempestades tropicais e inundações de dezembro.
Apesar dos transtornos, a luxuriante beleza da Serra do Mar deve tê-lo impressionado, pois escreveu, anos depois, um tratado sobre as espécies animais e vegetais que poderiam ser encontradas no Brasil, numa iniciativa pouco comum entre os jesuítas. Mas seu tema principal foram mesmos os índios” : Toda essa costa marítima, de Pernambuco até além de São Vicente, é habitada por índios que, sem exceção, comem carne humana; nisso sentem tanto prazer e doçura que freqüentemente percorrem mais de 300 milhas quando vão à guerra. E, se cativarem quatro ou cinco dos inimigos, regressam com grandes vozearias, festas e copiosíssimos vinhos que fabricam com raízes e os comem de maneira que não perdem nem sequer a menor unha”.
Um mês depois de sua chegada, em 25 de janeiro de 1554, foi inaugurado o colégio jesuíta da Vila de Piratininga, data hoje comemorada como fundação de São Paulo. Escreveu Anchieta: “Celebramos em paupérrima e estreitíssima casinha a primeira missa, no dia da conversão do apóstolo São Paulo, e por isso dedicamos a ele nossa casa”. Ali moravam treze jesuítas que tinham a seu cargo duas aldeias de índios com quase mil pessoas. O local tinha apenas 14 passos de comprimento e 10 de largura, incluindo escola, despensa, cozinha, refeitório e dormitório. Em resumo, era minúsculo. Época de austeridade, tanto no espaço quanto nas vestes, as batinas de Anchieta eram feitas com as velas imprestáveis dos navios.
Foram esses sustos eventuais, a aldeia de Piratininga florescia. José se aplicava em escrever divertidas peças de teatro que encenava para os índios e a formular a gramática da “língua mais usada na costa do Brasil”, o Tupi-Guarani, que seria publicada em Coimbra, em 1595. Era a primeira gramática desde os gregos antigos, escrita por um ocidental, que não se baseava nas regras do latim.
Naquela época, não passava pela cabeça dos colonizadores portugueses serem eles os intrusos e invasores das terras indígenas. Os jesuítas estavam ali para salvar aqueles homens da barbárie e reintegrá-los ao reino de Deus. Foi essa missão que o levou, junto com Manoel da Nóbrega, à experiência talvez mais dramática e definitiva de sua vida. Aos 30 anos, Anchieta rumou para Iperoig, hoje Ubatuba, em São Paulo, para negociar com os bravios tamoios, aliados dos franceses. Os índios, defendendo seu território, atacavam as aldeias portuguesas do litoral e os prisioneiros eram simplesmente devorados. Ele passou dois meses numa choça de palha tentando a paz e uma troca de reféns. Quando as negociações chegavam a um impasse, as ameaças de morte começavam. Finalmente Manoel da Nóbrega, doente e coberto de chagas, seguiu para o Rio para enviar os prisioneiros. José se candidatou a ficar como refém. O cativeiro foi uma dura prova para Anchieta. José escreveu na areia de Iperoig as principais estrofes dos 5 786 versos de um poema em latim contando a história de Maria. Quando morreu, em 9 de julho de 1597, aos 63 anos, na aldeia de Reritiba (hoje Anchieta), no Espírito Santo, por ele fundada, os índios disputaram com os portugueses a honra de carregar seu corpo até a Igreja de São Tiago Anchieta perambulou pelo litoral paulista, catequizando índios, batizando e ensinando. Reza a lenda que ele costumava abrigar-se para dormir numa pedra, conhecida como “cama de Anchieta” em Itanhaém, quando passou toda a quaresma do ano de 1553, em oração na Capela de Nossa Senhora da Conceição, no alto do morro de Itaguaçu.
Em 1554, morre o padre Leonardo Nunes, no mar de Santos, em um naufrágio. O Brasil perde seu primeiro missionário, chamado que fora a Portugal para relatar sobre sua missão em terras brasileiras a Inácio de Loyola, chefe da Congregação dos Jesuítas. Leonardo Nunes nasceu em 21 de setembro de 1509, na Vila de São Vicente da Beira, filho de Simão Alvarez Guimarães e Isabel Fernandes Guimarães. Entrou para a Companhia de Jesus em Coimbra e chegou ao Brasil aos 40 anos, sendo o mais velho jesuíta que acompanhava Manoel da Nóbrega. Depois de haver passado por Ilhéus, Porto Seguro e São Vicente, realizou sua maior obra nesta região, quando lutou contra o tráfico de escravos através do Porto das Naus (Japuí-São Vicente). Conseguiu a proibição do embarque dos escravos para a Europa. Com tal proibição, aceita por Tomé de Sousa, Ramalho, que até então vivia da complacência de Martim Afonso de Sousa, sentiu-se destronado e os desentendimentos chegaram ao auge. Depois da interferência de Manoel da Nóbrega, conta-se que o padre gostaria de ter ido até a região do Paraguai, evangelizando, mas por razões políticas entre portugueses e espanhóis, Tomé de Sousa não lhe deu autorização. Fechado o caminho para o Paraguai, Manuel da Nóbrega, a chamado do padre Leonardo Nunes, vai a Piratininga, onde fundariam São Paulo no ano de 1553. Em 25 de janeiro de 1554 os jesuítas inauguraram o colégio que daria origem ao povoado com o nome do santo do dia: São Paulo. No início, apenas um barracão pequeno, servia de dormitório, enfermaria, escola, refeitório, cozinha e até mesmo capela. Dentro, o grande ajuntamento contribuía para aquecer contra o frio das geadas que caíam sobre o Planalto. Entre idas e vindas entre Piratininga, São Vicente e Itanhaém, conseguiu o feliz alcunha de Abarebebê (o padre que voa), por caminhar muito rápido entre as vilas. Conta Pêro Corrêa, o primeiro mártir brasileiro em missão de evangelização, que a 30 de junho de 1560, Leonardo Nunes embarcou para Portugal a fim de explicar suas teses de catequese ao Provincial Geral. Uma tempestade fortíssima abateu-se sobre o navio, que naufragou, mas ele permaneceu salvando alguns náufragos e acabou por afogar-se. Antes de morrer, ergueu a cruz em uma das mãos e deixou-se afundar. Do triste naufrágio, sobreviveram muitos, que testemunharam os últimos instantes do Abarebebê.
O Auto de Posse é dado pelo Juiz de São Vicente a Brás Cubas a 22 de abril de 1555; é o primeiro documento oficial. Cristovan Gonçalves foi o primeiro juiz pedâneo da povoação. Em 1561 foi nomeado alcaide o Capitão Mor Francisco de Moraes.
Os refugiados de São Vicente, chegados que foram a Itanhaém, pelos anos de 1556, pois a tribo dos Tamoios ocupava toda a porção da costa, desde Ubatuba até Angra dos Reis, começava suas investidas contra as povoações da Capitania; trataram logo de sitiar-se em torno da feitoria que já existia à margem esquerda do rio Itanhaém. sendo que, a 13 de janeiro de 1561 Cristóvan Gonçalves, foi nomeado juiz Pedâneo da povoação de Nossa Senhora da Conceição, que havia sido elevada à condição de Vila em 13 de janeiro de 1561, pois já existia a Cadeia, Forca e Pelourinho, e Igreja. A Virgem da Conceição (ou Virgem de Anchieta, hoje exposta na Matriz de Sant’ana), introduz no Brasil a devoção a Nossa Senhora, e Itanhaém começa a se tornar local de romarias religiosa, já nessa época. Trata-se de uma das mais importantes imagens sacras brasileiras, conhecida popularmente como Virgem de Anchieta. Feita de barro cozido (cerâmica), a sua origem ainda é assunto de polêmica entre os muitos especialistas que a estudaram. Para alguns, teria vindo de Portugal, trazida por Martim Afonso de Sousa e ficou na ermida chamada do Abarebebê. Para outros estudiosos seria obra do ceramista nativo João Gonçalves Viana. Quanto ao seu significado, para o patrimônio cultural brasileiro, no entanto, todos concordam: trata-se da imagem que introduziu no Brasil – tão popular ainda hoje – o culto a Nossa Senhora da Conceição. Esta devoção é originária de Portugal e foi conhecida desde os primórdios da nossa história. A ermida da Imaculada Conceição de Itanhaém, foi não só a primeira erigida no Brasil, como também a primeira que, sob tal evocação, se fundou em toda a América.
Uma outra imagem de Nossa Senhora da Conceição(?) possui uma particularidade histórica. Os moradores da Capitania de São Vicente teriam encomendado, por volta de 1560, duas imagens, uma de Nossa Senhora da Conceição para Itanhaém e outra de Nossa Senhora do Amparo para São Vicente. João Gonçalo Fernandes, um português vindo da Bahia, fora acusado de homicídio e condenado à morte, por enforcamento. Recorreu da sentença à Relação da Bahia e à proteção de Nossa Senhora. Na prisão em São Vicente, esculpiu uma imagem de Santo Antônio e duas da mãe de Jesus. Recebendo a graça de ser absolvido da grave acusação, João Gonçalo levou a segunda imagem para um outeiro chamado Vaporá, de onde um devoto, Francisco Nunes, a trouxe às costas, para o morro “que está no confim desta vila chamada Conceição”. Ao depositarem no altar da ermida de Nossa Senhora da Conceição os devotos viram que se tratava da imagem de Nossa Senhora do Amparo. Apesar da surpresa, ficaram com ela, tornando-se a imagem de estima para os itanhaenses, e as imagens permanecem trocadas até hoje. Isso, criou um hábito de romaria do pessoal da Capitania de São Vicente que todos os anos vinham em grandes procissões para a visita à imagem de sua padroeira, depositada no altar-mor do Convento.
Os índios mantiveram diferentes tipos de contato com os europeus, mas todos, no final, resultaram na destruição da sua cultura e na perda de sua terra. Os portugueses se consideravam senhores da terra e achavam natural tomar posse não apenas dela, mas também dos seus habitantes, usando-os como escravos. Enquanto os portugueses continuavam a se estabelecerem ao longo da costa, os franceses aumentavam suas relações comerciais com os indígenas. Os franceses só se tornaram fortes aliados dos tupinambás, que habitavam a região acima de São Vicente ao longo do Litoral, por necessitarem da amizade deles para permanecerem aqui. Se não houvessem sido expulsos, teriam também que disputar com os índios a posse das terras.
Os primeiros padres jesuítas que vieram para o Brasil tinham como objetivo principal a conversão dos índios ao catolicismo. Por um lado, tentaram protegê-los dos maus tratos físicos; mas, por outro, ao educá-los segundo os princípios cristãos, destruíram a sua cultura. A conversão segundo as regras usadas pelos jesuítas não fácil como se supôs de início. Os padres acharam que a dificuldade devia-se ao fato de os índios não terem qualquer noção de Deus. Anchieta chegou mesmo a propor o uso da força contra os “gentios” , isto é, a gente dessa terra: “Parece-nos agora que estão as portas abertas nesta Capitania para a conversão dos gentios, se Deus Nosso Senhor quiser dar maneira com que sejam postos debaixo do jugo, porque para este gênero não há melhor pregação do que espada e vara de ferro…” Durante a época de inverno, com a escassez da caça nas matas, os índios vinham para a costa do continente para a pesca, principalmente por ser a época de desova de alguns peixes, como a tainha, apreciada pelos indígenas, o que provavelmente tenha resultado o Pocinho de Anchieta que, conta a “lenda”, foi construído sob orientação dos jesuítas para aprisionamento dos peixes nas altas das marés, e baixando, deixava-os aprisionados, facilitando a captura. A costa litorânea do sudeste e sul do país foi percorrida pelos índios Guaranis que fugiam da colonização espanhola mais ao sul, provocando a mistura das tribos guaranis com os Tupis, que por sua vez se subdividam em Tupiniquins, Tupinambás, Carijós mais ao sul, Tamoios mais ao norte, todos praticantes do antropofagismo, conforme consta nos relatos de Hans Staden quando de seu naufrágio na costa brasileira, na região de Conceição de Itanhaém.
Com os caminhos, trilhas e estradas abertas pela mata, o crescimento das aldeias na Capitania Hereditária mais próspera do Brasil, o mar passou a ter a ‘função’ de meio de subsistência através da pesca, e turística. As viagens pelo mar se tornaram desnecessárias e difíceis, pois não contavam com equipamentos de transporte adequados. Podemos dizer que os indígenas foram alvo tanto da conquista física, em razão da necessidade do trabalho e da posse da terra, como da conquista espiritual, empreendida em nome da fé cristã.
Por discórdias provocadas pela escravidão, o constante assédio dos índios, bem como o isolamento a que estavam expostos, levou o povoamento a um plebiscito. Optaram os moradores pelo abandono da Aldeia Velha e a fixação daquela povoação, aos pés do morro de Itaguaçu, às margens do rio Itanhaém, onde estava já estava erigida a Ermida a Nossa Senhora da Conceição e onde já se expandia a plantação da cana-de-açúcar nas feitorias agrícolas. Desligaram-se os jesuítas da aldeia de São João Batista e vieram para a povoação de Conceição de Itanhaém, no lugar que hoje a vemos e após a expulsão dos Jesuítas das terras colonizadas por Portugal, caiu a Aldeia em extremo abandono, sendo desaconselhável essa divisão do esforço de colonização, por razões de segurança e melhor controle administrativo pela Coroa portuguesa, teria sido determinado o plebiscito e a maioria optado pelas margens do rio Itanhaém, onde, a essa altura, já com aspecto de vilarejo. Daí a necessidade de construção de uma igreja maior no lugar da antiga ermida de barro, para onde foram transferidos os pertences do Colégio e Igreja de São João Batista, inclusive Pelourinho, para o local que já se encontrava cercado por uma paliçada, para melhor defesa contra os ataques vindos do mar e dos indígenas, sendo, naturalmente, o ponto de maior segurança, o morro do Convento, este, construído com “seteiras” para os eventuais ataques.